sexta-feira, 17 de setembro de 2010

uma existência prenhe de significados
tal degenerados anjos padecemos neste vazio e ainda mil vezes atirados do cume
vazio devorador que ocupa o espaço de toda a luminosa santidade da comunhão com o dentro
agora nada exatamente
nada me devora
padeço não-sofrer
o sono desesperado
iminente-breve descanso do corpo vilipendiado pelo dia

de um blog antigo

Broch e Zweig falam da "museificação" da cultura, o que sugere em princípio uma banalização, uma falta de diretrizes. Entretanto, os vienenses eram ciosos de seu patrimônio artístico-intelectual, uma vez que os eleitos ao grande museu - que duraria entre 1830 e 1930 - deveriam ser os máximos representantes da cultura austríaca. Deste modo o povo dedicava-se com mesma aplicação à toilette, à etiqueta, à crítica, à apreciação mordaz do espetáculo. Perdia-se a crença nas instituições políticas e a vida em sociedade tornava-se um substituto inofensivo destas. Alguma comparação com o futebol? no Brasil?

no Brasil o futebol é a instituição que aglutina as pretensões de um povo que não acredita mais na política

um espetáculo de Política

Empresto de Renato Mezan e seu Freud Pensador da Cultura a idéia do espetáculo como aglutinador das pretensões de uma sociedade não mais satisfeita com a representação política. Um povo ferido pela instabilidade, ou pela fome, ou pela corrupção - a barbárie enfim - é tentado a sublimar o desespero na pessoa do herói trágico(neste ponto sou auxiliado pela leitura da "Teoria da Tragédia" de Schiller). Assim como os vienenses tinham propriedade técnica para criticar seus tenores, atores, violinistas, nós brasileiros sempre temos um palpitezinho muito bem fundamentado sob a manga: algum conselho ao Sílvio de Abreu, uma recomendação ao Mano, um puxão na orelha do Neymar

mas o Brasil nem tem mais uma vida cultural.

solfejo

naturalmente há algo insubstancial cantando grunhidos ora abafados, ora agudos. esses pequenos gritinhos íntimos são atraentes como as sereias que desnudavam os seios entre as espumas que Ulisses singrava.
há algo insubstancial e belo, cantando volutas, quase um perlage, quase uma marlene-boca-murcha-the-laziest-girl-in-town. quem domina a linguagem encontra deus, adélia!

Pérola Medici

Não há sensação que eu tenha mais que a de azia. sensação. não é uma quantidade nauseante de suco gástrico, algo biológico, embora eu eventualmente seja bombardeado. uma espécie de cansaço do mundo, uma feijoada mal-digerida. nietzsche dizia que o problema do homem é sempre de digestão. este é o meu. a cura? ritmo, o da música, da poesia, do tempo da vida, do não-desespero. em tempo: não é uma forma búdica de negação, antes o contrário: dançar um minueto com um salto incômodo, espartilho de madeira, peruca de 50 quilos, uma espada fake e ainda ssim ser muito feliz, muito feliz, barrocamente feliz!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Secos e molhados

a Dilma falou em erradicação da pobreza, mas não fala aos incautos como consegui-lo, mas a gente sabe que é através desse plano funesto, que ilustra mais uma vez o que eu disse sobre meios e fins no post sobre direita x esquerda. o bolsa-esmola deveria ser um meio, e se tornou um fim, que não gera qualquer renda(ok, ok, ele aquece a economia de algum modo, já que de outra maneira os beneficiados pelo programa não teriam acesso a certos bens de consumo). nossa concepção de crescimento é essa: pagamos pela maquiagem da miséria e geramos um movimento irrisório da "economia de mercearia e tanquinho de lavar roupas"

Le tombeau de l'utopie










Há duas definições de inveja que me parecem próximas da verdade: uma popularmente aceita, de que o invejoso deseja aquilo que aprecia no outro; a segunda, mais sofisticada, formalizada assim por Melanie Klein "Eu não quero o que você tem, eu quero que você não tenha o que tem!". O estado soviético nutriu as duas contra a autocracia czarista. Os bolcheviques não distribuíram as terras confiscadas da aristocracia entre os servos libertos desde Catarina até Alexandre II. Todas as chacinas perpetradas pelo partido tiveram como objetivo acabar com qualquer vestígio da cultura tradicional eslava(de outro modo a religião não seria considerada tão perigosa). Stalin não se apropriou da Receita gerada pelo terceiro maior Império da história com a finalidade de fazer justiça social em nome dos antigos servos, eu acredito cegamente que o único beneficiado com a Revolução de 1917 foi o próprio partido, e quem não se opusesse a ele. É claro que nem os revolucionários de 1789 na França nem os russos de 17 pretendiam emular os excessos cometidos pelo absolutismo como fim, a questão é que o meio sedimentou-se de tal modo que o vício que deveria ser justificado só enquanto passageiro se tornou no cerne dessa convulsão social. Houve melhoras depois de 89, como houve após 17, mas havia um processo que foi sumariamente interrompido, o que resultou antes em barbárie e equívoco que em igualdade.
Não falo de aristocrata enquanto latifundiário, mas no sentido de indivíduo preparado para a excelência, como propunha Aristóteles.

"Se aos 20 anos você não é comunista você é um escroque, se aos trinta você ainda é, certamente é um idiota", uma das vantagens de se tornar balzaquiano é poder dar de ombros para a crença absurda de que não há vida intelectual além da esquerda. De Dante a Nietzsche, de Débussy e Victor Hugo a Pound, a intelectualidade e a arte são marcadas por pensadores que não se alinhavam à esquerda e que podem ser chamados de reacionários. Em auxílio a esse desabafo tive a fortuna de achar esse artigo do Umberto Eco, que elenca Dante e Mishima como reacionários e fala de Pasolini(um notório marxista) como herói de parte da direita italiana por sua nostalgia de uma sociedade pré-industrial.



drogadição


eu tomo exatamente 11(onze) pílulas por dia. esse número naturalmente é flutuante, pode aumentar em função da minha necessidade, ou diminuir caso a indústria farmacêutica se compadeça de mim.
dois dos comprimidos são compostos, portanto eu chego a ingerir 13 drogas diariamente. é uma equação fácil: para um problema específico eu tomo as mesmas drogas duas vezes ao dia. para a outra mazela... também, são apenas 6 tipos de drogas, repetidas, duas delas conjugadas em duas pílulas brancas, farinhentas e chatas de engolir sem água.

eu já ouvi todo tipo de discurso contra os anti-depressivos e afins. eu mesmo tenho uma espécie de culpa muito religiosa que eventualmente sugere uma vozinha aguda e inconveniente "se você fôsse forte aguentava tudo isso a seco" e "no século XVIII você se mataria ou faria sangrias"

um dia hei de me livrar dessas drogas ou da culpa. nunca pretendi transcender a necessidade de água quente para o banho, como tenho necessitado diariamente de computador nos últimos pelo menos 8 anos. daqui algumas gerações eu tenho certeza que outras mazelas substituirão as minhas(se essas não permanecerem) e eu tenho certeza de que essa culpa será assimilada e nenhum estoicismo será invocado.

a cultura não é necessariamente um conjunto daquilo que foi criado pelo homem, mas antes um inventário daquilo que a humanidade descobriu e aperfeiçoou em diferentes níveis de sofisticação e tempo. eu não preciso de uma cama, ou de água quente, mas a dor fica mais suportável com esses recursos que outrora amenidades hoje são condição mínima para uma existência menos sórdida. os remédios me permitem uma estabilidade maior inclusive para construir um discurso que possa refutá-los um dia.


Ufanismo é uma m....


"O patriotismo é o último refúgio do canalha" F. Nietzsche

ou de como Vanusa indiretamente se tornou uma desobediente civil há exatamente um ano.

domingo, 5 de setembro de 2010

spleen


Não tem sido fácil. Eu vivo procurando imagens que ilustrem essa angústia, mas a sensação mais próxima de uma síntese dessa dor é a impressão de que eu vivo caindo num abismo; é um desespero físico, seja lá o que isso significa, eu até sinto um pouco de náusea, confundo sintomas físicos muito sutis com tontura, tremores - e alguns são efeito colateral dos medicamentos que eu tenho tomado desde os dezenove anos. Goya, talvez Picasso com aquelas cabeças quadradas, mas Schiele e Lucien Freud sem dúvida, e Bacon. Nesses três últimos eu sempre percebo as bocas túrgidas, ereção, desespero, sociopatia, o personagem está sempre a beira do cadafalso, pedindo para ser aniquilado, sob pena de acabar com tudo, violentamente dando fim à sua dor ordenando o mundo à sua imagem, caoticamente cortando, esquartejando, rearrumando tudo.

Existe esse Pathos, porquê essa dor em mim não corresponde exclusivamente à carência dos meus recursos emocionais, à omissão familiar, ao desterro afetivo a que todo menino é condenado quando se concebe distinto. Os remédios não funcionam tanto, mas a abstinência me joga num território mais abjeto que aquele de que saí antes de tomá-los. é um vício, uma máquina se retroalimentando, mas sou inclinado a achar que sim, eu estava pior antes de tomar esses comprimidos todos. Sou levado a crer que antes dessas drogas nada miraculosas eu sentia esse cair no abismo como natural, cotidiano, inevitável. Não há dia em que eu não experimente essa sensação de algo podre se apossando de mim, crescendo nas extremidades, mas com os remédios eu sinto que isso me é de algum modo estranho, controlável, indesejável, estranho enfim. Diagnosticar é isso, perceber que a dor engendrada e alimentada é alheia a minha vontade, é uma visita indesejada que se hospeda demasiadamente em mim.

frustração na Acrópole


Além dessa vergonhosa mordaça oficial na imprensa durante o período de eleição também sossobra na internet um tipo de policiamento ideológico praticado por qualquer radical que se sinta ameaçado pela saudável prática da discussão de ideias. Esse policiamento me parece até mais grave que aquele oficial, ou antes é consequência desse, já que o eleitor xiita sente-se no direito de hostilizar aquele que constroi um discurso coerente e ameaçador assim como os políticos que afugentam humoristas e imprensa que baseiam suas críticas antes em fatos que em preconceitos ideológicos. Fiquei assustado com o barulho feito por ter criticado alguns pontos da campanha petista, e soube de um amigo que foi chamado de "bicha de direita" por ter mencionado as mesmas idiossincrasias no partido que outrora lutou pela liberdade de imprensa e pelo bem comum. Não vou me debruçar sobre essa questão que já me rendeu tantos dissabores e frustração. Mas é realmente de admirar que o exercício da crítica cause tanto incômodo a ponto de render ofensas pessoais a quem se dispõe a discutir um processo que é do interesse coletivo. Estou frustrado, decepcionado e muito amargurado pelo caminho que tomamos, nem tanto pela Dilma, já que como democrata devo acatar a decisão do eleitorado, mas os bastidores dessa eleição definitivamente enterraram a minha crença na democracia plena e na correção política, e pessoal.

Hug the Theatre


O maestro John Neschling mencionou em seu blog "Semibreves" que em qualquer país sério um teatro com a magnitude do Municipal de São Paulo não chegaria a atual situação da instituição paulistana sem que a população manifestasse sua indignação. O Colón, o Palais Garnier, o Opéra Bastille, o Scalla, o Met seriam ABRAÇADOS, como se faz com uma árvore centenária ameaçada. Vamos transcender a discussão sobre a importância histórica do teatro, um tradicional edifício que sediava apresentações de Kabuki desde o século XIX acaba de ser derrubado em Tóquio, sem grande alarde da imprensa. Mas o Municipal, único em sua história e função, não pode ser comparado a um dos muitos teatros japoneses tradicionais. O nosso teatro não está sob ameaça de demolição, mas não funciona, não tem uma política definida, um diretor artístico engajado. O problema não é o Municipal mas o que ele representa, esse descaso, provavelmente corrupção também, e muita preguiça, muita burrice, com dinheiro do contribuinte e total descaso político. Quem frequenta o teatro sabe que ele já tem enfrentado problemas administrativos, sobretudo em função da política de indicação aos cargos. E a situação é agravada pela risível direção artística, a palidez das produções, a inércia de um templo que já recebeu toda a vanguarda artística do século 20 e a tradição musical dos séculos que a prepararam.

Abrace o Teatro Municipal

En recherche d'un Théâtre Perdu II


Ainda não fui ver Coco Chanel e Igor Stravinsky,mas sempre fui muito curioso pelo fascínio que essa mulher exerceu para além do mundo aparentemente superficial da moda. Além de Stravinsky e do nefasto oficial nazista que lhe custou vinte anos de ostracismo Gabrielle também foi amante do grão duque Dmitri, primo do último Czar, amante do príncipe Yussupov, com quem tramou o assassinato de Rasputin. Chanel, já no auge de sua carreira e fortuna, costumava hospedar esses artistas e aristocratas russos na sua casa de campo, que viu nascer sua paixão adúltera pelo compositor da Sagração da Primavera.

Não sei se o filme transcende a fórmula para cinebiografias desse tipo de personagem, mas a cena de abertura do filme, com Nijinsky estreando a peça revolucionária enquanto seu amante Diaghilev faz sexo oral num bailarino na coxia já valeria a ida ao cinema, tal o poder dessa música, desse encontro de tantos homens talentosos e dessa coroação(sagração) com um erotismo que faz jus ao caráter transgressor desses personagens.

Nijinsky esteve no Municipal de São Paulo, dançando L'après Midi d'un Faune, com música, também transgressora, de Débussy. Esse delicado, frágil e genial bailarino foi apresentado ao seu eterno empresário e amante pelo então parceiro o Príncipe Pavel Lvov. O então garoto teria deplorado a altivez de Serge Diaghilev, mas consentiu em conhecê-lo "Não gostei dele por sua voz segura. Evitei fazer amor com ele, mas fingi, porque sabia que, de outro modo, minha mãe e eu morreríamos de fome". Em pouco tempo o príncipe Lvov seria trocado pelo homem altivo que tinha transtorno obssessivo compulsivo e ambos, Vaslav e Serge viriam ao Brasil dançar a vanguarda musical que chocou os paulistanos habituados a Tchaikovsky.

Nijinsky passou trinta dos seus sessenta anos num hospício, mas dançou no Municipal de São Paulo, como sua amiga e contemporânea Anna Pavlova, o epítome da bailarina russa.

En recherche d'un Théâtre Perdu I


Alguns biógrafos sérios de Maria Callas afirmam ter sido o Municipal de São Paulo o local de nascimento da sua rivalidade com Renata Tebaldi, litígio mais explorado pela imprensa marrom da época, e que rendeu às gravadoras algum dinheiro a mais e às divas umas boas risadas e fotos improváveis de uma relação cordial. Maria e Renata teriam acordado em não das bis em sua temporada de 1951. Callas cumpriu a sua parte do acordo na Traviata, mas Tebaldi teria bisado depois da sua Aída, e consequentemente foi muito mais aplaudida. A grega culpou o diretor artístico do Teatro paulistano por supostamente tê-la preterido e num dos seus célebres arroubos arremessou o tinteiro no homem que afortunadamente enxergava melhor do que ela. Além do quadro atingido pelo objeto e da gênese da maior rivalidade artística do século XX o episódio não teve maiores consequências. Outro episódio na mesma temporada: Callas, ainda indisposta com o diretor resolveu deixar Aída no meio da apresentação. Apesar dos clamores do marido pré-Onassis e de ameaças de prejuízo à carreira ela voltou impávida ao hotel. O jeito foi buscar um soprano italiano que jantava no restaurante do Teatro,que ficava onde hoje é a Votorantim. A mulher recusou-se a usar qualquer referência à Aída, e cantou até o fim da ópera com seu vestido contemporâneo de alta-costura e um magnífico conjunto de esmeraldas e diamantes que destoava da escrava etíope.